quarta-feira, 11 de maio de 2016

Chá das cinco

Ele vai ficar bem!
Ele vai ficar bem!

É a frase que a gente repete, como um mantra, na esperança de convencer, a nós mesmos, de que realmente tudo vai ficar bem e aquela pessoa que a gente gosta tanto vai voltar para casa são e salvo.

Ele era um dos meus! Quem segue esse blogue sabe, que desde que eu me entendo por gente tenho os meus velhinhos favoritos. O seu Abílio era um deles. Ele era um dos meus preferidos. O meu companheiro dos chás da tarde, o meu vizinho fazedor de empadinhas e um dos queridos desse meu coração.

Acontece que ele resolveu ir embora. Enjoou dessa vidinha de chás da tarde e as crianças pulando ao redor dele. Deve ter enjoado da barulheira da Santo Amaro, de ficar procurando vaga para estacionar e de tomar vacina da gripe todo ano. 

O complicado é que a gente não ia enjoar nunca dele. Eu não ia nunca, na vida, enjoar das piadas dele, daquele jeitinho de morder o lábio quando ria, das nossas conversas sempre interrompidas pela gritaria das crianças. 

Ele tinha 80 anos, mas parecia menos. Ele era um pai ativo, um avô ativo, um bisavô ativíssimo e um vizinho maravilhoso. Eu vou sentir tanta falta da minha campainha tocando e ele sorrindo na porta:

 - Adriana, você vai comigo pegar a Olívia? 

E eu me sentia tão importante, necessária!

Quem é que vai tocar minha campainha agora, assim do nada?
Quem vai tomar chá de camomila comigo no meio da tarde?
Quem vai me mandar um pratinho de empadinhas quentinhas, as melhores que eu já comi na vida?

Eu o conhecia há pouco mais de 2 anos, mas me apaixonei instantaneamente, como tinha de ser.
Eu estava saindo no portão, com o Tomás ainda bebezinho, e ele entrando com o zelador. Me abriu um sorrisão e disse:

- Muito prazer! Eu sou o Abílio, vou morar aqui e tenho uma bisnetinha da idade do seu bebê!

Pouco tempo depois começou o vai-e-vem do 22 para o 11 e vice versa. Foram os melhores 2 anos, dos 10 que estou aqui. E não sei como vai ser agora. Todas as vezes que eu tocava no 11, ou no 13 ultimamente, era ele quem abria a porta, como fez no último dia 9. E ficava bravo se eu não entrava. E se eu estava com pressa, devia entrar ao menos para lhe dar um beijo... foi essa a nossa última conversa.

- Entra ao menos para me dar um beijo, pô! (esse pô no final da frase sempre vinha com um sorrisinho).

Eu entrei um pouco, o suficiente para receber seu último beijinho. Se eu soubesse que era o último teria exigido uma bela quantia!

Naquele mesmo dia, no meio da noite, minha campainha toca. Não era ele! Era a filha dele dizendo que ele estava se sentindo mal. Descemos todos, chamamos o médico. Ele reagiu! Ele ainda teve tempo de ouvir que nós iríamos cuidar dele e que tudo iria ficar bem. Ele foi para o hospital respirando sozinho, com seu coraçãozinho, ainda que frágil, batendo sozinho... Eu tinha certeza, absoluta, de que ele iria voltar logo para casa. 

Em pensamentos ensaiei a bronca gigante que eu iria dar nele por assustar a gente daquele jeito.

- Ele vai ficar bem! Eu repetia em voz alta até conseguir a me convencer...

Ele ficou bem! Ele está bem! Não tenho a menor dúvida disso, mas do jeitinho dele, resolveu que já era hora de parar de receber broncas e de eu tomar o meu chá sozinha.

E cá estou eu... 17:30 com a minha xícara, ao lado do notebook, esfriando... esfriando...


6 comentários:

  1. Querida Adriana , de tantas gentilezas e agora sutilezas ,desse amor e carinho com meu pai , que de certa forma é para mim também.Muito obrigado por estar sempre a nosso lado, nos chás, nos jogos das crianças e até dividindo a nossa tristeza para que não pese tanto...Voc~e faz parte de nossa vida e família. Um beijo de coração!.

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  2. Adriana... Precisei do meu tempo pra abrir o blog e ler o seu texto. Já tinha acompanhado os comentários emocionados de tantas pessoas e sabia que iria me emocionar também. Como de fato, estou. Com as lágrimas escorrendo, vejo vocês tomando chazinho preparado com tanto capricho na sua linda casa. E ele gentil, risonho, alegre... Obrigada pela generosidade em dividir com a gente os momentos de tanto afeto que vocês viveram! Você, Adriana, foi um presente para o meu pai. Tenho certeza que a permanência dele aí, na av. Santo Amaro, ganhou mais alegria com a sua presença. Beijão <3

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    1. Obrigada pelo carinho Inês, é a minha forma de enlutar. Quando meu avô se foi escrevi o livro que dá nome ao blogue. O seu pai é quem foi um verdadeiro presente na minha vida. Sempre gentil, carinhoso e uma ótima companhia.

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  3. Emoção é o que me define agora, que texto lindo!

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